Por Jorge Forbes
Fonte: Revista Psique
Escrevi recentemente uma coluna, neste espaço, sobre o pai. Mais que depressa, minha editora, em nome das não concernidas, escreveu- me: "e a idealização da mãe, aquela que deve 'padecer no paraíso?'. Será que esta mãe é humana? É mortal? Enfim, lá no fundinho, ela é real mesmo?".
Vamos lá, falemos da mãe, começando por essa frase tão antiga, repetida e de múltiplos sentidos: "ser mãe é padecer no paraíso". Provavelmente trata-se de uma tradução leiga do Gênesis, do "parirás com dor", maldição lançada por Deus contra a mulher desobediente. A dor surge exatamente no momento da maior alegria que um ser humano pode ter: dar à luz um novo ser. A editora pergunta se não é exagerado associar a maternidade ao paraíso, mesmo que dolorido. Pensa-se que não. Isso fala de uma especificidade do amor materno, diferente do paterno.
Estudemos uma cena mais que habitual. Pai, mãe e filho-bebê estão na sala. O bebê fala, por assim dizer, faz um barulho como "ióóó". O pai fica indiferente, a mãe exclama: "Ah, coitadinho, está com fome". Passado certo tempo, lá vem o bebê de novo, agora com: "heiuc, heiuc". Pai, impassível. Mãe: "Você viu como ele está contente com o novo chocalho?". Daí, em seguida, para dizer que "spé, spé" é dor de ouvido, fica fácil. O pai disfarça seu espanto descrente desse diálogo, a ele, esquisitíssimo. Mas imagine só se não houvesse alguém suficientemente "imaginativo", sendo delicado, para interpretar esses primeiros balbucios incompreensíveis a um pai?
A RELAÇÃO DA MÃE COM UM FILHO É IMEDIATA. O PAI FICA LOUCO PARA QUE O FILHO COMECE A FALAR E ANDAR PARA QUE ELE O SINTA COMO SEU FILHO
A relação de uma mãe com um filho é imediata, ela não depende das formas estabelecidas da cultura. O pai fica louco para que o filho comece a falar e andar para que ele o sinta como seu filho. Batismo para pai é o primeiro jogo de futebol juntos. Ah! Aí a alegria independe do resultado do jogo! Mãe, não. Vejamos outro exemplo, mais triste, mas não menos evidente. O que vemos nas filas das portas dos presídios em dias de visitas? Mães ou pais? Mães, a resposta é fácil, dada a grande discrepância. Como amor de mãe não tem o intermediário da cultura - é direto -, filho nunca é criminoso, é sempre, e antes de tudo, filho. Chico Buarque cantou esse aspecto em Meu guri, a história daquela mãe que diante de todas as evidências da bandidagem do guri, continuava a vê-lo como um anjo de altar. Assim são as mães.
Se paraíso é a contemplação direta do divino, ser mãe tem um quê de paradisíaco, pois assim ela vê seu filho. E a dor? Ora, a dor, paradoxalmente, pode até ser buscada como marca de ligação com o filho, do gênero da equação emocional: "Se sofro dessa maneira, é só por você, porque você é meu filho". É o uso do sofrimento como assinatura do cartório do paraíso.
Hoje, de fato, está um pouco em desuso choramingos maternais. A liberação sexual e econômica da mulher é um pouco incompatível com essa ideia de mater dolorosa; fala-se, então, em uma mãe real. Mas o que será isso: "mãe real"? Aquela que cuida dos filhos, que trabalha, se arruma e namora? Sim, conhecemos essa mãe, é a mãe objetiva, que vive reclamando de seus vários empregos, fora de casa e em casa, que requer direitos sobre sua alegada dupla ou tripla jornada de trabalho, que está exausta, arre! Pobre moça! Será que não fica mais fácil dizer sobre sua satisfação de poder ter vários papéis e ainda manter só para si o prazer enorme de poder traduzir um grunhido de uma criança em: "te amo, mamãe", ao qual pai nenhum pode contestar?
Existem mães que, preocupadas com suas imperfeições, exageram na busca de manuais da mãe exemplar. Não é um bom caminho, acabam dando material para as caricaturas tão conhecidas do Ziraldo. Não existe mãe perfeita nem ideal, há, sim, para cada um, alguém que cumpre essa função com suas qualidades e defeitos. E é sempre melhor que o fi- lho enfrente o defeito de uma mãe que o de um suposto técnico em maternidade. Falava-se antigamente que a mãe perfeita seria a mãe asmática, pois ao responder imediatamente a cada pedido do filho, antes mesmo que ele se pronunciasse, acabava por sufocá-lo.
Enfim, mãe, sofrer no paraíso é demasiadamente humano e mortal. É o passaporte de dupla nacionalidade: o de fora e o de dentro da cultura; é a fronteira do céu.
Jorge Forbes é psicanalista e médico psiquiatra. É analista membro da Escola Brasileira de Psicanálise (A.M.E.), preside o IPLA - Instituto da Psicanálise Lacaniana e dirige a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da USP. www.jorgeforbes.com.br